Cobrança e dor

Tarde será de ato em frente ao Pronto-Socorro

Familiares e amigos do pelotense Marcos André Furtado, morto no dia 21, reúnem-se a partir das 14h

Paulo Rossi -

"Quanto vale uma vida para ti?" O questionamento, em tom de desabafo, será um dos tantos disparados na tarde deste sábado (2), quando familiares e amigos do servente de limpeza Marcos André Rodrigues Furtado, 48, realizam ato em frente ao Pronto-Socorro de Pelotas (PSP), a partir das 14h. Foi ali, entre angústia, uma série de dúvidas e cobranças para agilizar a realização de uma tomografia, que a família viu a vida do morador do bairro Fragata se esvair. Rápido. Em pouco mais de três dias.

"É uma dor insuportável. Que as pessoas vão morrer a gente sabe, mas da forma que foi não dá pra aceitar", resume a mulher Michele Furtado, 38. Era domingo, 17 de fevereiro, final da tarde. Marcos André subiu no telhado de casa para reparos, mas a estrutura não resistiu e houve a queda. Com fortes dores na região da coluna, a família acionou o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) para levá-lo ao PSP.

Dali em diante, iniciava uma sucessão de incertezas e de esperas que, não raro, são experimentadas por quem um dia já esteve em corredores e salas do Pronto-Socorro. A primeira barreira a transpor: o aparelho de raios X estragado. Era preciso conduzi-lo ao Hospital-Universitário São Francisco de Paula (HUSFP) para o exame. Com o resultado em mãos depois das primeiras horas de espera, a resposta: seria necessário uma tomografia da coluna para poder analisar melhor as lesões.

Começava, então, uma outra luta. Com peso de aproximadamente 125 quilos, as discussões da equipe passaram a ser sobre a possibilidade de Marcos André fazer o exame, já que haveria risco de o equipamento estragar. "Eles disseram que o aparelho poderia não suportar o peso dele e quebrar. O conserto seria muito caro", indigna-se Michele. E complementa: "Quanto vale uma vida para ti?"

Apelo ao Ministério Público e cobranças por atenção
Já era quarta-feira, 20 de fevereiro, início da tarde. O servente de limpeza, pai de três filhos, ainda aguardava pela tomografia. Foi quando a família recorreu ao Ministério Público (MP), na tentativa de agilizar o exame que poderia indicar o rumo do tratamento. Enquanto isso, as queixas aumentavam. Dores, inchaço na região abdominal, vômitos - com odor a fezes - e falta de ar. "Ficavam dando remédio para enjoo e eu vendo que ele estava cada vez pior. Via ele morrendo ali".

Um raio X de abdômen chegou a ser realizado no dia 19. A tomografia, entretanto, só foi liberada após o MP ser procurado. Era tarde demais. A lesão na coluna foi constatada, mas deixava de ser prioridade. A cirurgia poderia esperar. A corrida, também cirúrgica, iniciava para resolver os problemas abdominais. Mas o tempo já seria curto. Marcos André passou pelo procedimento, mas a gravidade do quadro já era elevada. Na madrugada de quinta-feira, às 4h15min, o pai de Jaqueline, 20, Samuel, 16, e Débora, 12, não resistiu.

"Ele tinha o sonho de ver os filhos se formarem e constituírem família. Tinha o sonho de ser avô, mas isso não vai acontecer", emociona-se a companheira ao longo de 21 anos. "Foi o descaso que matou meu marido". Na certidão de óbito, está indicada a causa da morte: Choque hipovolêmico, lesão hepática, ferimento fechado de abdômen. É uma longa lista de indagações que Michele Furtado ainda quer esclarecer. No dia 26 de março, a merendeira deve ter acesso ao laudo da tomografia.

A posição do PSP
A diretora técnica do Pronto-Socorro de Pelotas, Rosana Van Der Laan, garante não ter faltado nenhum tipo de assistência a Marcos André durante o período em que esteve no PSP. Todos os protocolos, medicamentos, acesso a especialistas, avaliações cirúrgicas e procedimentos necessários teriam sido adotados. Quanto à demora para realização da tomografia computadorizada, Rosana explica que o dimensionamento do aparelho só permite visualizar pacientes de até 130 quilos. Com a impossibilidade de aferir o peso de Marcos André - devido às possíveis lesões na coluna -, teriam sido avaliados os riscos de danificar o tomógrafo.

"Não é um dano financeiro, mas quando tu quebra um aparelho desses, tu deixa de dar assistência a todo o Pronto-Socorro e os 260 pacientes que passam por aqui diariamente e podem precisar. Ainda poderíamos prejudicar a assistência no Hospital-Universitário São Francisco de Paula, que também ficaria sem o aparelho", afirma a médica para justificar o que chamou de impasse. Naquele momento, todavia, o quadro era considerado estável - reforça Rosana.

"O óbito dele foi em decorrência da queda. Não foi decorrente da falta da tomografia", defende. E recorre a dados para ressaltar resultados da atuação da equipe do PSP: dos cerca de 7,5 mil pacientes atendidos por mês, uma média de 75 morrem. "O nosso índice de mortalidade é de 1%. Não há negligência", afirma. E vai além: a decisão para cirurgia abdominal teria sido tomada com base em reavaliação do quadro clínico e dos exames físicos e não a partir do resultado da tomografia. É o que apontaria o prontuário médico.

 

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